Sou, há muitos anos, voluntária, num hospital.
No ano passado, talvez, precisamente, por esta altura, o doente que mais me preocupava era o senhor Pinheiro, um velhote modesto, esquelético, amarelo, com o corpo crivado de drenos e com uns sacos pendurados que fediam.
Desistira de tudo e só pedia, angustiadamente , para ir para casa. Mas, as filhas não queriam levá-lo, o que, até certo ponto, se compreendia: cheirava mal, não comia sozinho, era preciso dar-lhe banho, mudar-lhe a fralda cagada ou, na melhor das hipóteses, a pingar de mijo escuro e fedorento!
“ Está melhor, Sr. Pinheiro?”
“Não, menina, não estou! E as putas ruins das minhas filhas não me tiram desta merda! Estou tão cansado! Sinto que estou cada vez pior e sei que, um destes dias, vou direitinho para o caralho! Foda-se, eu só queria ver a minha casa e o meu quintal, uma última vez, menina!”
“ Tenha calma, Sr. Pinheiro! Quando estiver melhor, volta para casa e vai dar muitas passeatas no seu quintal!”
“ Mas, eu tenho tantas saudades, porra! Estou farto de estar aqui e sei que não vou melhorar, merda nenhuma!”
E, na verdade, dias depois, o Sr. Pinheiro foi mesmo direitinho para o caralho, sem que as putas ruins das filhas o tivessem deixado voltar a ver, pela última vez, a casa e matar a porra das saudades que tinha do seu quintal!
Nota – Este texto é a resposta ao desafio que me foi feito pelo Dr. Mário Cláudio, para escrever sobre uma obra de Caridade com palavrões “pesados”, uma vez que, na sua douta opinião, a minha escrita é muito “certinha”, muito "penteadinha" e muito “alinhadinha”!
Este, é o texto conseguido e, creio, absolutamente "despenteado" e“desalinhado”!
MC
A Caridade - Virtude
1 comentário:
Por caridade, é possível escrever assim para Mário Cláudio. Por caridade, é possível imaginar a sede de morrer em casa e plasmar no texto a fúria da linguagem do senhor Pinheiro. Por aplauso à força do texto, ao seu ritmo e à sua musicalidade, deixo aqui o meu comentário de satisfação à minha querida amiga MC.
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