Ele estava sentado no jacuzzi da piscina do hotel, talvez demasiado caro mas, a verdade é que, ultimamente, tudo, na sua vida, se tinha tornado muito relativo. Desde que adoecera, a espessura do tempo modificara-se, tinha-se tornado mais fluída, mais fugidia, como fluíam e se esbatiam, agora, as cores fortes e incandescentes, daquele entardecer tropical.
Sentia-se confortável e quase sem dores. O sol, embora já menos intenso, aquecia-lhe a pele e a água, em rebuliço, adormecia-lhe os ossos cansados e enfraquecidos.
Tinha estado muito doente, estava ainda doente, mas aquelas duas semanas longe de tudo o que lhe lembrava decadência e dor, eram preciosas. Para ele, para a mulher e para a filha que também sempre estivera, terna e vigilante, a seu lado.
A doença assaltara-o, de repente e deixara-o prostrado, num susto medonho e num espanto gelado! É sempre assim, pensou! Um susto e um espanto! E, depois, aquela sensação, sem misericórdia, do mundo a desabar, fragorosamente! E, tudo isso contido na pergunta inútil e inconformada: “ Porquê eu?”
Sabia que tinha mau aspecto! Estava muito magro, o cabelo ralo e baço, muito grisalho, os olhos , que tinham sido bonitos, sem brilho e encovados e a pele amarelada e envelhecida, pelos tratamentos agressivos.
O pior tinha passado, dissera o médico. E ele queria acreditar, precisava de acreditar que iria vencer a doença! Mais por elas, até, do que por si!
Três mulheres sentaram-se, a seu lado, no jacuzzi. Seriam, talvez, a mãe e duas filhas. Portuguesas, como ele, em busca de calor e de sol, num país tropical.
Exuberantes de carnes e de risos, falavam alto e gesticulavam muito, numa agitação frenética e completamente dissonante da serenidade macia, daquele entardecer.
Pelo canto do olho, viu que elas o observavam, contraíam os rostos, em esgares de escárnio, até que, suas gargalhadas, com cheiro a acinte e a grosseria, rasgaram, subitamente, o ar.
Ele permaneceu quieto, aparentemente indiferente, como se não as visse, nem as entendesse.
E, pontilhada de risos alvares e pretensiosos rolares de olhos, começou a desenrolar-se, entre elas, uma patética conversa.
“ Já repararam, neste homem? Parece que tem sida, coitado!
É tão magro e tão esquisito!”
“ É esquisito, é! Mas, já o vi com duas madamas, todas espampanantes. Uma loiraça, mais velha e uma meio-ruiva, mais nova!”
“ Eu também já os vi! Ele parece que morreu e ainda não sabe mas será fogoso e gostará de variedade!”
“ Pois é! As madamas andam sempre muito bem vestidas! Ali, o dinheiro fluí! Realmente, só por dinheiro!”
“ Eu, nem por dinheiro, queria alguma coisa com este destroço de homem! Safa!”
“ Elas parecem duas perúas, de facto! Especialmente a loiraça!”
“ Já repararam que quase todas as mulheres, depois dos quarenta, são loiras? Ficam todas iguais! Que suburbano!Voltando aqui ao gentleman...”
“ Cala-te que ele pode entender!”
“ Entender? A palavra, talvez, mas a conversa, não. Como eu ía a dizer, o cavalheiro, (gostas mais, assim?), deve gostar de uma boa “menáge à trois”!
“ Cala-te, que ele pode mesmo entender, sei lá! Pode ser francês...”
“ Deve ser americano, não está a perceber nada! A verdade é que não deviam deixar gente, com este aspecto, frequentar a piscina! Nem quero pensar nisso, mas... imagina que tem mesmo sida?”
E, riram alarvemente, enquanto davam palmadinhas na água em torvelinho ou, tentavam prender nas mãos, o revolteio da espuma.
Ele continuava a olhar em frente, sem fixar os olhos, como para os descansar, e permanecia imóvel e calado, como se não entendesse a malícia viscosa que rastejava, virulenta, mesmo ali, a seu lado.
O doirado do sol do fim de tarde, refulgia no azul límpido da água que, numa girândola de pequenos jactos, acariciava o seu corpo dorido e cansado, aconchegando-o!
De repente, viu a mulher e a filha que se aproximavam. Sorriu, orgulhoso delas. Eram lindas e corajosas!
Elas eram, de facto, o amor da sua vida, o seu aconchego, a força poderosa que o tinha impedido de desistir! De tudo!
“ Olhem, ali vêm as damas! São convencidas, mas lá que são giras, são! Para estarem com um homem com o este aspecto, este esqueleto ambulante, velho e feio, só mesmo por dinheiro, muito dinheiro mesmo! As madamas são finas e devem estar a governar-se, muito bem!”
E, riram, risadas desbragadas que ressumavam um profundo despeito e uma desmedida inveja!
Então, enojado, farto daquela conversa ordinária, dos risos estridentes, das carnes gordas, a saltarem dos biquinis demasiado pequenos, levantou-se devagar, fixou-as com um desprezo e uma dureza que as paralisou e emudeceu e, disse-lhes com uma raiva mal contida:
“ As víboras rastejam nas profundezas dos fossos negros, imundos e letais, onde pertencem! Nunca, impunemente, entre pessoas! “
MC
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