Em Janeiro de 2012, Kim Chol, um importante oficial do
Exército norte-coreano, foi fuzilado juntamente com alguns amigos por ter
consumido álcool durante os cem dias de luto decretados no país, após a morte
do querido líder Kim Jong-il. Na Coreia do Norte matam-se pessoas por beberem
durante um período de luto. Já na Universidade do Porto morrem pessoas e faz-se
o luto bebendo até cair. É certo que o regime de Pyongyang não se recomenda.
Mas a Federação Académica do Porto também não.
Para quem anda à procura de exemplos da selvajaria
capitalista, não vale a pena dar-se ao trabalho de esmiuçar as intervenções de
Vítor Gaspar - basta olhar para a decisão de não suspender o programa da Semana
Académica do Porto depois de um estudante ter sido assassinado a tiro no
recinto. Os responsáveis pela Queima não precisavam de ter anulado todo o
evento: cancelavam o primeiro dia de festejos, ainda lhes sobravam seis, e
fingiam ter um mínimo de sensibilidade. Mas nem isso. O Lado Negro da cerveja é
demasiado forte. E por isso, os estudantes preferiram apostar em iniciativas
simbólicas sem impacto orçamental, tipo bué minutos de silêncio comoventes,
"tão a ver?
É claro que a rapaziada ficou tristíssima com o que
aconteceu. E, para ultrapassar o trauma, decidiu afogar todas as noites a mágoa
em bebida. Basta ler a reportagem que Natália Faria assinou ontem neste jornal
para ficarmos sensibilizados com tamanha comoção alcoólica. Permitam-me citar:
"Não é que o nome de Marlon tenha sido esquecido. Mas, dizem os
estudantes, festejar e beber podem ser uma forma de fazer o luto. "Ele não
teria gostado que interrompessem a festa por sua causa", alega Rita
Machado, 19 anos." Segundo a jornalista, a estudante Rita fez a alegação
"entre goles servidos directamente de uma garrafa de litro e meio de
cerveja" - o que deve ter ajudado muito na recolha da opinião do morto. E
a reportagem seguia com caloiros de gatas a serem sulfatados de vinho tinto,
uma outra conhecida forma de luto entre os bosquímanos do Kalahari.
Eu pertenço à geração que há 20 anos, neste mesmo
jornal, foi apelidada de "geração rasca" por Vicente Jorge Silva. Por
isso, sou naturalmente cuidadoso quando se trata de fazer generalizações sobre
a juventude actual. A juventude actual é como a juventude de qualquer época:
cheia de energia e uma certa tendência para a parvoíce. O director da Faculdade
de Desporto, onde Marlon Correia estudava, escreveu um comunicado indignado,
onde dizia que esta não é "a juventude com a melhor formação de
sempre" - é, isso sim, a juventude com a "maior instrução de
sempre", porque "formação é outra coisa bem diferente: tem a ver com
o índice de consciência, competência, sensibilidade e responsabilização
cívica".
Dizer que estas qualidades faltam à juventude actual
como um todo é obviamente abusivo. Basta ir à página de Facebook da Federação
Académica do Porto para verificar que inúmeros estudantes não concordaram com a
opção de continuar com os festejos. Mas importa deixar claro o quão insensível
foi a decisão, e o quão ofensivo é ver milhares de estudantes bêbados
arrastarem-se pelo mesmo local onde um colega seu acabou de perder tragicamente
a vida. Quando, na cabecinha de tantos estudantes, o direito à bebedeira se
sobrepõe ao respeito pela morte, alguma coisa de muito errado se está a passar.
Acordem, meninos.
João Miguel Tavares, Público, 9.05.2013
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